sexta-feira, 1 de maio de 2009

Dia do Trabalhador para uma desempregada

Eu li agora um texto sobre o 1º de Maio, Dia do Trabalhador, no blog do Rafael Cortez que me fez pensar bastante. Me identifiquei profundamente porque, como ele, já fiz de tudo na vida, diversos sub-empregos, coisas chatas, mas sempre com um objetivo no fim do túnel. Conseguir fazer o que se gosta, ou seja, especificamente arte e comunicação.

Eu tinha dez anos quando descolei meu primeiro pagamento por alguma atividade que eu tenha feito, fora ajudar minha mãe ou meu pai. Era 1991, em Canoas, no Rio Grande do Sul e foi na fábrica de pijamas da minha vizinha. Eu, minha mãe e algumas outras vizinhas iamos para lá ajudar no fechamento dos pedidos. Eu normalmente passava os pijamas e embalava-os. Lembro que consegui comprar uma jaquetinha jeans e outras coisas que eu queria comprar, mas não lembro agora o que eram.

Depois vieram outros trabalhos nas férias escolares. Eu já morava em Piçarras, cidade do litoral catarinense. Fui repositora de mercadorias em um supermercado de uma amiga da minha mãe, trabalhei em uma floricultura e em uma banca de revista/papelaria. Até hoje uma das coisas que eu mais gosto na vida é do cheiro de revista nova. Era um trabalho pesado, pois praticamente não havia folga. Nas cidades litorâneas como quase não existe emprego durante o ano todo, geralmente é no verão que a gente tenta ganhar uma grana pra se manter, e as condições não são as melhores. Poucas folgas, os trabalhos raramente são registrados, o salário não é dos melhores e há muito, muito trabalho.

Com 17 anos, recém saída do antigo Segundo Grau eu só pensava em voltar pra Porto Alegre e fazer cinema, quando praticamente não havia faculdades e cursos. Mas, um amigo do meu irmão havia feito um workshop e também um curta em uma oficina e eu pensava nisso há uns dois anos. Depois de uma forte depressão, quando tinha 14 anos, o que me manteve com uma certa sanidade foi sonhar que eu poderia fazer filmes um dia, ou me expressar de alguma forma através da arte. E Piçarras não era o melhor lugar. Lembro que eu ouvia "Everiday is like sunday", do Morrissey, e pensava que essa música tinha sido feita pra mim.

Pois então, com 17 anos fui trabalhar no posto de vendas de um grupo de pescados. Na época ainda não era vegetariana. Pra minha sorte os peixes já estavam embalados e congelados, mas era um trabalho chato. Eu aproveitava pra ler bastante, já que havia alguns momentos em que ninguém aparecia na loja. Eu consegui economizar uma graninha razoável e em abril de 1999 meu sonho de voltar para o RS estava garantido. Minha família ficou com muito receio que eu fosse sozinha pra lá e como meu pai, meu irmão e minha mãe estavam meio sem perspectivas, fomos todos desempregados e para morar de aluguel. Foi loucura, mas deu certo. A primeira coisa que eu fiz foi ir à Casa de Cultura Mário Quintana e lá encontrei um cartaz sobre um curso, um Workshop de Cinema Super-8 com alunos da Famecos. Eu não sabia que diabo era a Famecos. Me bati, liguei, perguntei e descobri que era o bloco de comunicação da PUC/RS. Fiz o curso com universitários. Eu na época era bem mais revoltadinha e achava aquele mundo das faculdades uma palhaçada. Pareciam todos uns playboyzinhos, lembro que eu sentei no final da classe e não queria me misturar. Nossa, como eu era idiota. Mas, ao longo do curso fui vendo que o pessoal era legal e aprendi muita coisa bacana. Fizemos um filme, o "W.C.", que até hoje é um orgulho pra mim. Eu havia feito um filme! Um curta, uma coisa simples, mas tinha participado. Lembro que ele foi exibido em Gramado, no Festival de 1999 e foi horrível porque eu não pude ir. Estávamos sem grana lá em casa e eu havia começado meu trabalho em uma metalúrgica. Eu me lembro de ver umas imagens do pessoal do curso na TV e eu nem pude dizer pra meus novos colegas de trabalho que aquele filme tinha minha participação. Quem acreditaria? Uma operária metida a cineasta? Hoje até tudo bem, é mais fácil, especialmente com as tecnologias que se tem, com o digital, mas há dez anos (parece pouco), mas eu por exemplo, nem computador, celular tinha. Na verdade celular faz poucos anos que tenho. Mas, isso é conversa pra outra hora.

Fiquei dois anos na Tec Master. Eu era montadora eletrônica. Montava chicotes eletro-eletrônicos. Que diabo é isso? Os cabinhos internos de computadores, ar condicionados, telefones, TV´s, essas coisas. Fiz grandes amigos lá, foi um período maluco. Eu tinha o sonho tão latente do que queria, mas precisava ajudar em casa. Lembro que eu li "Um astronauta no Chipre", do Jorge Furtado e esse livro me fez correr atrás do prejuízo. Eu sai deste emprego e fui tentar vestibular na UFRGS pra jornalismo e minha segunda opção ia ser filosofia, mas cursar filosofia era só durante o dia e tipo...ser filósofo é ainda mais complicado de conseguir trabalho, eu decidi fazer artes cênicas. Eu sempre quis ser atriz, mas também sempre tive consciência que eu era muito ruim, talvez por isso eu quisesse ir pra trás das câmeras. Acho que é a frustração de não ser boa na frente delas. Só que a segunda opção em universidade federal é a coisa mais estapafurdia que existe. Mas, enfim. Sei que eu fui fazer o teste prático de artes cênicas no Instituto de Artes da UFRGS. Isso em 2001. Fui tão mal que decidi entrar num cursinho pra não repetir aquele feito de esquecer o texto na frente dos avaliadores. Mas, até hoje não fiz. Me matriculei, mas não rolou. Um dia ainda faço. Depois disso eu arranjei um trabalho como vendedora de consórcios de motos, logo eu que não entendo nada disso. Fiquei um mês no trabalho apenas. Obviamente não vendi uma moto sequer.

Por fim não passei no vestibular pra jornalismo e como não tinha grana pra uma particular no RS, foi melhor esperar. Fui trabalhar numa videolocadora. Era uma forma de estar perto dos filmes e de ganhar uma grana. Era um trabalho chato, o clima era muito, muito pesado. Era uma espécie de Mc´Donalds só que em formato de videolocadora. O bom é que era priorizado filmes cults, clássicos e a gente podia levar o acervo pra casa. Eu lembro que nas minhas folgas eu cheguei a levar seis filmes de uma vez só. Passei quase 12 horas vendo filmes. Eu morava em Canoas e trabalhava em Porto. Pegava ônibus, o metrô e ainda caminhava um pedaço a pé. Era bacana, apesar de tudo. Lembro que tinha uma regra que os funcionários não podiam ter relação fora do trabalho, mas todo mundo saía e festava juntos. O que eu lembro que era chato é que tinha uma certa competição entre os balconistas pra ver quem sabia mais de filmes. E isso me irritava um pouco. Mas, foi um período de grande experiência. Eu consegui um acervo muito bom pra uma das minhas coleções mais especiais: de posteres de filmes. Os donos da vídeo faziam promoções e distribuíam os posteres. Lembro que o dia que eu consegui "Casamento de Muriel", um dos filmes que mais gosto, eu fui rindo pra casa. Só fiquei frustrada porque não consegui o do "Assim Caminha a Humanidade", com o James Dean. Lembro com carinho de alguns dos clientes que esperavam eu atender outra pessoa pra pedir indicações comigo. Lembro de um senhor que eu indiquei "Nove Rainhas" um ótimo filme argentino e ele ficou cheio de dedos dizendo que achava que não ia gostar. Eu falei um pouco do filme e ele levou desconfiado. No outro dia ele veio me dizer todo eufórico que tinha curtido e acabou levando outra vez pra mostrar pro filho dele. Era engraçado porque pelo jeito das pessoas, pelos filmes que elas escolhiam, nós atendentes sabíamos que personalidade elas tinham. E neste trabalho eu conheci várias pessoas que eu admiro até hoje e que trabalhavam ali comigo. Músicos, jornalistas, atores, cineastas, escritores, tanta gente legal que tipo, trabalhou comigo e é tão legal ver que eles correram atrás dos objetivos.

Depois desse emprego, meus pais voltaram pra Santa Catarina e eu que havia feito a prova do Enem fui aceita pela Univali, em Itajaí e voltei pra Piçarras. Aqui é incrivelmente mais barato fazer uma faculdade que no RS, mas ainda assim poderia ser mais acessível. Fui trabalhar de caixa de supermercado. Meu horário era bem maluco. Das 16h à meia-noite. Eu e meu amigo Eder saíamos de zica (a popular bicicleta aqui), e íamos tomar umas e outras na praia cheia de turistas. Era engraçado ver o pessoal que a gente tinha atendido na festa. Eu também fazia o exercício de observar o que as pessoas compravam e assim pensava em como elas eram, como viviam. Pelo que as pessoas compram pode se saber como elas são. Se são sozinhas, se têm filhos, etc. Eu comecei a faculdade de jornalismo em 2004, ainda trabalhando no mercado. Aí depois fui trabalhar em outro supermercado e só na metade do ano eu comecei a fazer estágios na universidade. Um era voluntário na TV Univali e outro como bolsista no departamento de comunicação. Lembro que a grana era curta e eu fazia uns lanchinhos porque não tinha grana pra almoçar.

Na TV Univali eu fiquei dois anos. Comecei como pauteira, garota da previsão do tempo e saí com uma baita experiência. Depois de quase seis meses voluntária eu consegui uma bolsa e passei à equipe do Antenado. Nossa, a gente se matava pra fazer aquele programa e como era legal. Trabalhávamos fim de semana, feriado. Era uma espécie de documentário, ou TCC semanal. A gente pegava uma palavra e trabalhava com vários aspectos dela. Foi um grande aprendizado. Tudo era com a gente. Produção, apresentação, entrevista, roteiro, só não editávamos e nem fazíamos câmera, mas acompanhávamos os meninos. Pra conseguir ficar neste estágio e ajudar meus pais a pagar o restante da faculdade, moradia, etc, eu também fiz vários estágios toscos, em revista nada a ver, jornal bagaceiro. Trabalhei como operadora de telemarketing, recepcionista de hospital, enfim, fiz de tudo, novamente.

Mais pro final da faculdade consegui estágios legais, um em um jornal local, o Diarinho, que já comentei e coloquei algumas matérias aqui. Ele não é um modelo do jornal clássico, mas me serviu de grande aprendizado, especialmente porque me deu um outro olhar sobre o papel de quem faz comunicação. Depois fui trabalhar na assessoria de imprensa da Fundação de Esportes de Itajaí. Outro grande aprendizado. Agora me formei e tá mais complicado conseguir trabalho, pois pelo menos aqui as empresas ainda preferem um estagiário porque sai pela metade do preço e o cara desenvolve basicamente a mesma função. Quanto a mim estou pensando em algumas opções. Tenho feito uns bicos como motorista pra uma amiga que tem uma empresa de festas infantis. Esses dias eu trabalhei como monitora e é engraçado como as pessoas te olham. Se eu dissesse que era jornalista me tratariam de uma forma, mas como eu tava de monitora, quase uma babá, as pessoas te olham com um certo desdém, como se você fosse menos. Isso me incomoda muito. Se o cara é advogado, médico, tá tudo certo. Se é gari, motoboy, não é ninguém. Isso me irrita. As pessoas são avaliadas pelo que representam, pelo que têm e não pelo que são, pelo caráter. Isso é muito foda.

Enfim, eu não queria fazer qualquer coisa pra conseguir ter que me manter, mas também sinto que como está não dá pra ficar. Eu queria fazer algo que me movesse, que eu acreditasse, que me fizesse feliz. Não quero ter que voltar para um sub-emprego fixo, mas sei lá, parece que nada sai do lugar. Mas, tenho esperança que logo as coisas vão melhorar. Espero. Apesar de estar desempregada, como tantas outras milhares de pessoas, quero pelo menos desfrutar bem desse dia do trabalhador.

2 comentários:

Édnei Pedroso disse...

U-A-U...

Sabe, quando ralamos desse jeito (já devo ter trabalhado em quase tantos empregos quanto tu), a gente pensa que somos os únicos que matam leões diariamente (sinceramente, quase sempre pensava assim em relação à outras pessoas com quem convivo, gente que sempre teve mais base do que eu, para poder alcançar as suas coisas). Lendo teu texto, constato mais uma vez que isso é um ledo engano: cada um, de sua maneira e com sua história de vida, percorre o caminho das pedras.

Mas o que fazer??? Eu pergunto, e eu mesmo respondo: correr atrás do prejuízo, torcer para que tudo dê certo e tentar curtir o máximo possível desses feriados (mesmo que eles não sejam uma homenagem imediata à nossa classe).

Beijos.

Simone Castro disse...

Sim, sim, Édnei. Imagina. Há milhares de pessoas que trabalham e ralam muito, muito mais que nós. Gente que acorda três, quatro da manhã, corta cana, trabalha pesado. O que me refiro é a esta coisa de batalhar e a incerteza de saber se vamos conseguir os objetivos. Mas eu tenho esperança que sim. De repente não da maneira que a gente pensa, mas acredito que sonhar é preciso, é um primeiro passo. Mas, tu é infinitamente um trabalhador e um cara que corre atrás dos sonhos, sem dúvida já ralou muito mais que eu. Interessante que pelo menos na Espaço trabalhamos juntos. Lá era um seleiro de gente boa. Quantas pessoas legais encontramos naquele trabalho, né? Saudades de ti e obrigada pelo comentário! Bjos